segunda-feira, 13 de junho de 2011

AS RAZÕES DO JOÃO URBANO



O João saiu do campo,
Ou talvez não o conheceu,
Já sem o verde estendido
Que em seus olhos se perdeu;
Restando passear tristonho
Entre as lobunas paredes
E a poça d’água da chuva
Pra um pobre matar a sede...

O João das primaveras
- Buscando amores teatinos -
Se encontrou c’oa prenda linda
Que pelo mesmo destino,
Vivia da mesma forma,
Longínqua de sua essência,
Sem ter um naco de terra
Prela chamar de querência...

O João chegou lá em casa
Após eu rumar à estância,
Sem nem saber o meu nome
Nem mesmo a minha existência,
Achou a par a soleira
Da janela lá do fundo
Um lugarzito singelo
Pra ele erguer o seu mundo...

O João acabrunhado,
Já desgastado da lida,
Trazia os olhos cansados
Mas a tarefa cumprida;
Seu lombo sujo de barro,
Sua face olhando de cima,
Seu canto agudo e tranqüilo
Repetindo a mesma rima...

O João caseiro e tanto
Se assustou na minha chegada,
Pois pensava, simplesmente,
Ser dele aquela morada;
Quando na minha janela
Contemplei, com emoção,
Um rancho recém erguido
Com barro de construção...

- O João tem suas razões -
Pensei comigo sozinho,
Se acaso abrisse a janela
Derrubaria seu ninho,
Mas me senti tal a ele
Sofrenando a realidade,
Olhando a casa de barro
Bem no centro da cidade...

O João que o sobrenome
Cambiou por conta do engano,
Lá no campo João barreiro
Na cidade João urbano;
Ao menos sem ter a culpa
De o campo mudar de cor,
Em meio a massas cinzentas
Vive o melhor construtor... 

Rafael Ferreira

Um comentário:

  1. Que belíssimos versos, de sensibilidades raras vezes vista.
    Estes versos lembraram-me dois temas festivaleiros que já tem alguns anos, uns deles é "Um pássaro sem sombra" de autoria do poeta Juarez Machado de Farias que fala de um pássaro que pousou em uma antena, carente de um sombra na cidado.
    O outro tema é "Num tronco de angico" de autoria do Furtuosos Araújo quede forma semelhantes a que fizeste fala dos "Joãos" da cidade, mas neste caso compara os Joãos humanos que es~tao na cidade e deixaram seus ninhos taperas.
    Gostei muito do trabalho, de muita sensibilidade. Somente um poeta verdadeiro consegue tamanho sensibilidade, retratar esta cena com tanta riqueza, mas aos mesmos tempo o poema dos dá a impressão que o poeta nem está.
    Grande abraço!!

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