sábado, 28 de maio de 2011

É DE MOLHAR OS OLHOS...


Esse fragmento foi uma participação na coluna da Revista "ALTOS DA SERRA" (Vacaria - RS), no ano de 2010, onde eu fui convidado a publicar algo sobre tradicionalismo e regionalismo do Rio Grande do Sul, sendo assim, resolvi fazer aquilo que me agrada, que me completa, um texto de palavras simples e de saudades tantas, que resume uma infância tão boa. Espero que muitos possam se identificar com este texo, já que traduz o passado de muitos tantos.... 
OBRIGADO!!!





É de molhar os olhos... Lembranças ternas, sorrisos alegres, ter um mundo inteiro em riba de um pedaço de chão, tão longínquo de todo o resto... Ali minha vida era feliz, pois tinha tudo que eu mais gostava, era sim a esperança, esperança daquilo jamais acabar. Por isso conto a nossa história, a minha e a da minha infância.
Começo então pelo nome, Fazenda Esperança, onde até hoje trago comigo, tranqüila e bela Esperança. Ela vem no meu peito ajojada como bois de canga, e quando laço da lembrança, com sua armada grande, me acerta a idéia, eu paro solito, ajeito um mate daqueles bem amargos, e uso os recuerdos doces de andanças, tal fossem jujos de campo... Meu mate tem cara alegre, as vezes rio sozinho. Talvez pensem ao contrário, mas sentir saudade faz bem...Pelo menos quando me recordo piazito montando um flete de vassoura, correndo pelo jardim da estância, ou melhor, as vezes me vejo arteiro nos dias de pealação, onde não me importava com o golpe do lombo no chão, ou menos, os berros de dor de um boi ao sentir o ferro quente, eu queria cerda, sim, juntava os nacos de cola aparada, ficava tapado no pelo, as vezes soltava uns gritos como estivesse lá na mangueira, junto da peonada, mas eu ficava era do outro lado da cerca, dependurado, quando o boi bravo vinha eu me atirava pra traz e dava risada, perigo não existia pra mim... Cosa braba, eram os gansos, que bichinho alarmento tchê! Parecia que eles tinham por gosto me atropelarem nas porteiras, nunca me pegaram, eu corria, isso é certo, mas andava sempre atento com eles, falando em bichos, me lembro dum cusco gateado, daqueles bordoga que babam tudo na gente, era maior que eu o desgraçado, que baita cusco parceiro. Agora o que eu mais gostava era a tordilha Nevasca, égua do tipo bem mansa, que se eu não chupasse do beiço e batesse o garrão ela ficava parada, volta e meia eu dava uns laçassos de mango pra puxar um trote, ela foi minha primeira encilha, eterna Nevasca tordilha. (foto)
Casarão antigo, janelas grandes na frente, uma varanda mais ao fundo, paredes com quadros velhos amarelados, fogão a lenha, arquitetura singela, mas de coração grande. A escada rumando o sótão, essa que eu tinha medo, jurava escutar assombros nas noites largas de inverno. O Cipreste copa dupla plantado a muitas luas por Don Jõao Maria Borges, era como um sombrero largo pra quincha da casa grande, sombra de mate aos finais de tarde de primavera ao pé da velha árvore com regalos de copa larga. Lá nos fundos o poço de balde, com roldanas choradeiras e a corda grossa já gasta, o velho balde de lata, que batia lá no fundo, tirando a água do escuro, eu ficava admirado com aquilo, e já matava a sede nos goles puros de uma infância. Um galpão de chão batido, rústico, sublime, eu adorava olhar de baixo por longe, o tio Bira botando as garras no crioulo haragano, um pingaço douradilho, que apesar de eu nunca ter montado solito, era o melhor cavalo do mundo. As frestas do galpão grande pareciam recitar poesia com o vento entre as faces gastas de uma madeira forte. Um corredor entre cercas, como fosse as veias do galpão velho se unindo com o coração grande da mangueira de pedra, um brete bem comprido, um banheiro mais adiante... Aquilo era lindo em dias do banho do gado, os charolas entupindo as mangueiras, um berredo ensurdecedor, pingos suados e campeiros atentos no serviço.
As luas passam, os tempos mudam. Com isso me criei, mas ainda rapazote aproveitei tudo aquilo, “entonce” não mais estorvava na lida, mas sim, ajudava, ainda montado em pelo tordilho, mas essa não era a Nevasca, era uma potranca fachuda, cria do haragano, essa era de estouro, com ela recolhi tropas, aprendi para que serve a espora, o laço e o pé no estribo. Pelos domingos de folga saia eu e a potranca, pra atirar umas cordas na cancha do Capão Grande. Já entendia mais das coisas, sabia que a vida não era só brincadeira, obrigações, respeito aos mais velhos, jeito simples, mais de opinião. Até que um dia enfezado fez me trocar o rumo, me despedi da velha fazenda com lágrimas nos olhos, mais trouxe comigo uma infância que ali eu construíra.
É de molhar os olhos... Ser alguém na vida, diploma na mão, pra não ser mais um peão desses que vagueiam o mundo só por uns trocados. Não que eu não quisesse ser, até pensei nisso. Mas decidi trocar o tino e deixei somente o rastro na estrada empoeirada, olhando de longe a Fazenda, cuidei o galpão, uma fumaça branca na chaminé da casa, lembrando os cafés cheirosos da tia Adri.
Por isso cevo esse mate, agora já lavado pelas lágrimas tão boas que fazem sangas no meu rosto. Que bom saber que eu tive uma infância, uma infância de campo, de pés descalços e sorriso largo... Que bom saber que tive pessoas felizes junto comigo, compartilhando momentos inesquecíveis... Que bom saber que a saudade me faz tão bem, quando é sentida lembrando aquilo que vivi e que jamais sairá da minha memória. Contudo isso eu agradeço as pequenas coisa que me tornaram um gigante. Por isso, que sou uma eterna criança, pois cada vez que golpeio esse mate, minha infância revive na Fazenda Esperança e eu choro em saudade.  

(Revista Altos da Serra, coluna de Tradicionalismo, junho de 2010. www.revistaaltosdaserra.com.br)

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